quarta-feira, 16 de março de 2011

Da sujeira do butequim, alcoólicas cinzas de um tempo deste chão*


Hammurabi, o grande rei da Babilônia, em momento de imensa sensibilidade e sapiência inigualável, pregava a distribuição gratuita de cerveja aos seus súditos, fato que talvez justifique a predileção, ou melhor seria a devoção de boa parte dos moradores da nossa Babilônia por este líquido sagrado milhares de anos depois. Injustiça sem tamanho de seus habitantes não terem durante esses anos providenciado um busto, um totem, ou templo, ou obelisco, sei lá, o que fosse! Sei que Hammurabi merecia e merece uma homenagem explícita na rua que ostenta o nome do seu reino.

O fato é que a Babilônia e seu território anexado, a rua Major Ávila, possuíram autênticos bares, botecos ou butequins (adoro esta grafia oralizada) que em nada remetem a esse conceito deturpado e agressor a uma das maiores manifestações da cultura carioca. Os Devassa, Belmont, Manuel & Joaquim, entre outras franquias que se espalharam pela cidade como vírus de internet, ofendem a história ao se apropriarem do nome dessa legítima instituição carioca, o butequim.

Butequim que se preza possui como primeira prerrogativa a sujeira. Se o descuido com a limpeza não for visível, o estabelecimento pode ter qualquer nome, menos butequim. Deve ter as iguarias tradicionais de procedência duvidosa e aspecto hostil, um cardápio básico e duas ou três opções de prato comercial, no máximo e sem frescuras. Para além de outras características, deve ter banheiro único com mictório repleto de limões e um reservado com privada sem tampa e sem papel higiênico, bastando que as damas o peçam ao dono, que o dará resmungando. Este, impaciente, mas de certa maneira parceiro.

por isso
agora falo de um certo
Jaime
do bar primevo
etílicas viagens

Jaime
judeu, esguio, barba sempre por fazer,
vascaíno, motoqueiro de agrale
ranzinza rabugento
pão-duro que só
dez centavos dívida imperdoável
colibri que o diga
proibição na pele sofreu
james card suspenso

Jaime
de presenças ilustres e respeitadas
como a do xará, o saudoso Sr. Jaime

Jaime
do convidativo grau do Gogô
(santificada batida de mel)
partida de muitos trens
da união cerva-cannabis-cannabis-cerva
para tudo terminar em pó
sem necessária ordem seguir

Jaime
dos ovos cozidos multicoloridos
das carnes de feijão tenebrosas no balcão
dos copos sujos de graxa da agrale guerreira

Jaime
lugar de encontro sagrado ao final do dia
léuris fabinho edu cintura minhoca cacá japa luís mongol bruno consuelo marli denise jackie bira léo raposão belota jane marco aurélio aílton magal daniel renatinho jacó fumaça marcinha valério rosinha mico odair alex rafael paulinho jamaica camélia ti’bola tuty ana paula flavinha flávia gorda carla andréia buquissú big loura xande elaine paulista carlinhos boxeador sandra sueli pepa lena rosa nova cecília cláudia marcinha nilson pessoal da comlurb manel babão blau fábio trog paulinho delano colibri mônica raquel bia vela neco andré primo velho pagador fabiano fob rola caçapa rodrigo rogério clédson camelôs da saenz peña e tantos outros que em algum momento partiram, luta inglória para os fracos, para acender o seu cigarro na caixa de fósforos presa cuidadosamente à caixa registradora. Caixa de fósforos secular, pois somente os palitos eram trocados, elevando o simples ato de acender um cigarro a um exemplo digno de resistência, perseverança e fé para os contemplados com o sucesso. As reclamações, súplicas até, eram sumariamente ignoradas por ele, o Jaime, o dono do butequim dos nossos primeiros porres, alcoólicas cinzas de um tempo que permanecem neste chão.

Ricardo Riso
14/03/2011

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