A Rua Babilônia encontra-se de luto hoje. Justo hoje, dia em que faço 37 anos, perdemos uma grande pessoa, um grande amigo: Paulo Roberto do Nascimento, ou simplesmente Paulinho.
Preferia estar a escrever sobre minha infância, adolescência e vida adulta na Babilônia, destacando aqui meu papel de "João" frente ao habilidoso Paulinho nas peladas da Quinta e da Rua das Estrelas e das confusões que nós arrumávamos quando disputávamos com times de outras redondezas: sempre havia alguém com alma pequena que se sentia humilhado e partia para cima de nós, enfurecido com a caneta que havia acabado de tomar do negão. Além de defendê-lo, éramos obrigados a aturar o risinho de canto de boca e o cochichar ao pé do ouvido: "sou craque, amigo!"
E toda essa habilidade frente a um kichute velho, um sapato verde, ou mesmo descalço. Teria ele apoio de algum clube ou empresário sério e, certamente, já teria despontado para os campos do Brasil e do exterior. Mas Brasil é terra da gente...
Preferia hoje estar a tomar uns copos com negão, admirando sua excelente forma física, sua já falada habilidade no futebol, sua capacidade de se dar bem com todas as pessoas e estar bem consigo mesmo. Era difícil ver o Paulinho de mal humor ou de mal com a vida. Era difícil alguém brigar ou não gostar do Paulinho. A presença do Paulinho na roda de amigos, nas esquinas da Babilônia, contagiava todos.
Ficam aqui meus pêsames a toda a família, Wilson, Rosa e Flavinha. A Babilônia hoje ficou mais triste do que nunca.Se eles me permitirem, gostaria de postar algumas fotos aqui como última homenagem.
Manelzinho (André Ribeiro)
quarta-feira, 22 de junho de 2011
A TERCEIRA MARGEM (Ao Paulinho, em memória)
Ricardo Riso
22 de junho de 2011
A bola e o negro pé
Os enjaulados chutes nas bolas de papel, de meia, dento-de-leite, couro
Inssurectos gols em solitárias comemorações diárias, noturnas constantes
Gols de liberdade do menino sob o necessário castigo da Mãe Rosa
Lembrar-me-ei das pelejas no golzinho babilônico
Sob o olhar atento e sorridente do Wilson
Dos moleques entortados por teus joviais dribles de guri atrevido posteriormente consagrado como o mais habilidoso, incisivo e abusado atacante entre nós, opinião constatada nas saudosas peladas da Rua das Estrelas, nossa Babylon Arena, e nas vespertinas batalhas futebolísticas na Quinta da Boa Vista com o então negro adulto, escorregadio ponta-direita
Lembrar-me-ei de ti, negro
Das inesperáveis fintas em altíssima velocidade ultrapassando aqueles que tinham a inútil e inglória missão de marcá-lo
Tal como um Garrincha babilônico, éramos os teus “Joões”: Batata, Caçapa, Limpado, Vitor, Heitor, Neco, Manel, André Primo, Trog, Fábio, Felipe, Babão, Colibri, Velho, Fabiano, Rafael, Rodrigo, Alexandre, Pelicano, Delano, Rola, Vela, Magal, Daniel, Belota, Blau, Cledisson, Rogério, Cintura, Go Gô, Fabinho, Odair, Minhoca, Aílton, Cacá, Júlio, João, Renatinho, Mateus, Ploc, Buiú, Júlio Bagulho, Cidinho, Japa, Mico, Marciano, entre tantos outros marcadores humilhados por teus dribles
Lembrar-me-ei de ti, negro
No pós-pelada no beco da Babilônia
A roda e todos nela, a bola inerte
De repente um rápido movimento do teu quilométrico pé sobre a bola, todos, assustados, reagiam com bruscas trombadas, e tu, posicionando a pelota suavemente no mesmo lugar, e o sorriso debochado seguido dos nossos indignados xingamentos mais uma vez ludibriados por tua habilidade incomum
Lembrar-me-ei de ti, negro
Dos lançamentos envenenados, dos balõezinhos astuciosos, dos espetaculares e maliciosos chutes no ângulo do gol, sobretudo do cinematográfico ovinho reinventado por ti, o ovinho pela metade, que consistia na enfiada de bola entre as pernas do adversário com o pé direito deslizando sobre a bola, o corpo flexionado para trás se valendo da tua elasticidade, a tua perna atravessando as pernas do marcador e o ultraveloz retorno, a faceira saída pela direita sob o olhar estupefato do pobre e estático adversário. Esta era a tua marca registrada, jamais imitada.
Ficarei aqui, negro
Lembrar-me-ei de ti
Do sorriso sincero, da amizade desde a tenra idade, dos imprevistos encontros nos arcos da noite lapiana
Enquanto tu passas com o teu indescritível gingado, desfila os dribles improváveis, as fintas inexplicáveis e todo o teu arsenal da arte de bem jogar futebol em verdejantes asfálticos campos no ar, etérea matéria, a demonstrar a tua simpatia e bom humor, a conquistar com a tua esférica sensualidade as belas que se encontram na terceira margem da bola.
Lembrar-me-ei de ti, negro amigo
Paulo Roberto do Nascimento
Sempre
Desde o silêncio que se fez quando soou o apito final da tua vida.
sábado, 18 de junho de 2011
Sueli – Rua Babilônia, nº 45 Casa 8 e 18
Alegre, boêmia, amiga de todos, assim como todos os integrantes de sua família. Na sexta feira dia 03 de junho tive o prazer de conversar com uma das ilustres moradoras da vila 45 e recuperar boa parte da memória da rua Babilônia: Maria Sueli Vilela Pereira, ou simplesmente Sueli.
Moradora das casas 18 (ainda quando havia 20 casas na vila) e 8, a vida da Sueli e da sua família se confunde com a vida da minha família, quando se trata de convívio entre vizinhos, desde a longínqua década de 1930, quando os vizinhos eram mais próximos do que familiares e onde se tomava ar fresco durante os verões cariocas até altas horas da madrugada, sem a menor preocupação com a violência dos dias atuais.
Portugueses, negros, pardos, ricos, pobres, feirantes, comerciantes, eletricistas, carpinteiros, construtores,... parecia não haver diferenciação entre raças, nacionalidades e classes sociais na vila 45 na época em que a Sueli nasceu e onde passou sua juventude e boa parte de sua vida adulta.
Nascida em 17 de junho de 1943, é filha da Pernambucana Almerinda de Oliveira (a D. Lola, como era mais conhecida) e do feirante português Abílio Medeiros Vilela. Moraram na casa 18 até um pouco antes da demolição das casas 17 a 20, por volta de 1963.
Eram vizinhos dos saudosos Sr. Lindinho e D. Buruca moradores da casa 17 (eles tinham uma filha chamada Silene) e, pela casa 20, dos tios Alberto Medeiros Vilela e Olinda de Oliveira Vilela, irmãos respectivos do Sr. Abílio e da D. Lola, que tiveram nada menos que 21 filhos! Entre eles, os mais conhecidos e lembrados por mim são o Sr. Alberto de Oliveira Vilela (o Betinho) e o Sr. José de Oliveira Vilela (o Moreno, afilhado do meu bisavô José Joaquim Ribeiro). A Sueli lembrou do nome de alguns: Clea, Maria Helena, Marli, Marlene, Luis Carlos, Ubirajara. Ainda me vêm à lembrança algumas pessoas ligadas à sua família: Sra. Dilma, filha de criação da D. Lola, mãe do Raulzinho (hoje advogado) e da Raquel, esposa do bombeiro Raul; Dalila, criada pela família do Betinho na casa 20; China, esposa do Betinho; Marina e sua filha Cláudia (é Cláudia, teu Mengo vai mal!!!); Maloca; Bina. Outros a minha memória não chegou: Tico-tico; Vavá; o casal Sr. Flávio e D. Nair e as filhas Heloísa e Wanda (casa 2); a D. Maria e Sr. Manuel e os filhos Jorge e Beth (casa 4). Talvez possa conhecê-los algum dia.
A Sueli estudo nos colégios tradicionais das redondezas: Leitão da Cunha, João Lyra e Instituto de Educação. Aos 20 anos, em 1963, casou-se na igreja Bom Jesus do Calvário com o Sr. Darci Amaral Pereira, então com 36 anos, telegrafista da Rede Ferroviária Federal, com quem teve quatro filhos: Cecília, Cláudia, Bárbara e Leonardo. A esta altura, já havia se mudado para a casa 8.
Infelizmente, em 1975 ficou viúva do Sr. Darci. A vida começou a apertar para ela e sua família, já nesta época, seu pai já havia falecido. As crianças que a D. Lola tomava conta e as marmitas garantiam a sobrevivência da família. Lembro bem de algumas dessas crianças: Alexandre “Grande” (meu grande amigo até hoje, também apelidado de Fob), Cristiane, Alexandre “Pequeno” (Godóia), Andrea (Piu-piu), Marcelo (Umbigudo), Ronaldo, Pelezinho, etc. Ainda havia outras crianças da minha época que passaram por lá: Samantha (a Nega, filha do Betinho), Rodrigo e Ingrid (netos da Sueli, filhos da Cecília e do Sérgio Cintura). Imaginem a festa quando essa criançada toda se reunia para brincar!!!
Um dos momentos mais marcantes da minha adolescência se deu quando a sua filha Cláudio e seu marido Tuninho passaram a confeccionar fantasias para a escola de samba Estácio de Sá, lá na casa 8. Nos reuníamos por lá, bem mais para farrear e menos para trabalhar. Isso por volta de 1986/ 1987. Os diálogos entre o Fob e Cidarta eram memoráveis e dignas de registro!
Mais os momentos de alegria também dão lugar a momentos de dor: nesta mesma época seu filho mais novo, Leonardo, falecia de maneira brutal, aos 18 anos de idade. A notícia correu rapidamente a vizinhança da Rua Babilônia e em Figueira, local próximo a Arraial do Cabo, onde a Sueli lá residia.
Aliás, lá em Figueira eu e meus amigos da Babilônia tivemos a oportunidade de passar momentos inesquecíveis da nossa então recém-chegada vida adulta, quando completamos 18-19 anos e podíamos viajar sozinhos e independentes. Mas isso fica para uma próxima postagem.
Por volta de 1991-1992 (nem eu nem a Sueli lembramos exatamente da data, mas ela falou que foi no dia 11 de agosto) faleceu aos 83 anos a D. Lola, tendo cumprido a sua missão de criar sua filha, seus netos e as demais crianças que por lá passaram. A grande amiga da minha avó Cândida deixou essa vida e, com ela, lá se foram as lembranças e histórias da Rua Babilônia.
O fato é que hoje ainda podemos encontrar a Sueli em sua casa, no bairro de Quintino, junto a alguns de seus netos, ou então visitando a Rua Babilônia uma vez ao mês, próximo ao dia 18. El ame prometeu vasculhar seus arquivos com fotos da D. Lola e de seu casamento. Lembranças que passaram e jamais deverão ser apagadas de nossas memórias.
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